O mundo e você

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Das pequenas imprevisibilidades da vida que nos fazem entender como somos menos importantes para os acasos do universo do que julga o nosso egozinho.

Eu tenho uma lembrança muito interessante que é a de, quando mais garoto, eu adorava me deitar na sala mesmo, depois de ver um filme na madrugada, pra dormir. Era só desligar a tevê e já cair no sono. 

E daí que a luzinha vermelha do videocassete, aquela que indicava que o aparelho estava desligado, o oposto da luz verde que mostrava que a fita tava lá dentro rodando, e que piscava quando a gente rebobinava ou avançava na parte certa que se queria ver do filme, estava angulada perfeitamente diante dos meus olhos. Virar-se no sofá com o rosto apontado para o encosto não era a melhor das situações e, de lado para o cassete, a luz vermelha iluminava meus sonhos e atrapalhava o bom andamento do meu adormecer. Grandes problemas que se têm quando é adolescente. 

Interessante pensar que, claro, a luz que emanava do aparelho hoje extinto estava cagando para a minha existência e, mais ainda, para a tranquilidade da minha noite. Óbvio. Um objeto inanimado não se endireitaria sozinho com o intuito máximo de acossar a figura infante do escritor aqui. 

Tinha também a torneira da pia do banheiro que ficava pingando e, quando mais avançada a noite, mais insuportável ficava o barulho cadenciado que as gotas gordas faziam, já que o movimento da rua era menor, etcetera e tal. E a hora de dormir, na época do frio, tinha aqueles primeiros cinco minutos de dor e agonia com o colchão gelado até o conforto debaixo das cobertas. E vinha o barulho. Ensurdecedor. Sádico. Grosseiro, imoral, indecoroso. Mas, para zerar o escarcéu, era necessário adentrar novamente na friaca e, ainda depois, recomeçar o processo de aquecer a cama de novo. Era um tal de amaldiçoar quem escovou os dentes por último, como se armadilha fosse, preparada previamente para atacar o sono alheio, como se a torneira em si fosse o mal encarnado que subiu dos infernos com o objetivo primordial de te estorvar.

E o banheiro todo estava pouco se lixando para a delicadeza do seu descanso. Todos os banheiros da galáxia estão, neste momento, plenamente alheios a qualquer esperança que exista na sua cabecinha no exato momento em que você me lê.

Sabe aquele "justo hoje?". O "logo agora?". O controle que ficou na estante quando você se sentou para trocar de canal, o pneu que deixou de furar na esquina de casa para estourar na marginal (e se tivesse murchado na esquina, a gente reclamaria que poderia ter dado ruim dentro da garagem e, caso só percebêssemos com o carro já guardado, seria bem no dia em que, na manhã seguinte, haveria uma reunião importante).

A gente dá uma atenção danada para os sinais que o mundo definitivamente não está nos mandando.

Sabe como é?

Jader Pires